Fringe – Drama e ficção científica em uma série atemporal

Fringe é aquele tipo de série que todo mundo deveria assistir

Já faz mais de 10 anos que Fringe, uma série produzida pela FOX em conjunto com a Warner Bros. e a Bad Robot, produtora do venerado J. J. Abrams, estreava nas noites de quinta no Brasil. A série, um drama de ficção científica, foi exibida tanto na Fox quanto no SBT (sob o nome de Fronteiras) e abre com um empolgante episódio de 82 minutos (o normal para esta série é 47 minutos). Esse episódio piloto mostra um atentado terrorista onde todos os passageiros de um avião, que voava da Alemanha para Boston, chegaram ao seu destino sem nenhuma fibra muscular ou qualquer outro tecido em seus corpos. Isso já indicava a tônica da série: casos extremamente complexos, mas factíveis, que deveriam ser resolvidos por agentes do FBI. Até aí, tudo normal, só que não.

O elenco principal da série trazia algumas figuras já bem conhecidas do público, como Joshua Jackson (Dawson’s Creek e Lenda Urbana), John Noble (O Senhor dos Anéis e All Saints) e Blair Brown (Cowboys do Espaço e Orange Is the New Black), mas também trazia uma nova safra de excelentes atores e atrizes, como Anna Torv (atriz australiana sem muito destaque nos Estados Unidos) e Jasika Nicole (atriz estadunidense em início de carreira). A química desse elenco era absurda. Anna Torv, que interpretava a agente do FBI Olivia Dunham, mostrou toda a sua versatilidade e talento interpretando toda a diversidade de emoções à qual sua personagem foi submetida, indo da alegria à tristeza, passando pela tensão e a raiva, como se ela mesma sentisse tudo aquilo. O elenco de apoio, o qual entrou em ação no segundo episódio, também não deixava nada a desejar. As interpretações eram de primeiríssima qualidade e sempre muito bem dirigidas.

O Padrão

Uma das primeiras questões levantadas pela série é O Padrão. O ataque terrorista que abre o primeiro episódio não era o primeiro, mas também não seria o último. Nesse aspecto, a série começa a definir o que ela realmente é. A explicação para O Padrão é que um cientista – ou um grupo deles – está fazendo experimentos usando a Terra como um grande laboratório. A cada semana, um novo ataque acontecia. Algo aparentemente inexplicável (como a “amberização” de um ônibus cheio de passageiros, por exemplo), mas com uma ligação muito profunda com as pesquisas e teorias do Dr. Walter Bishop (personagem de John Noble) e com o trabalho da Massive Dynamics, empresa fundada pelo Dr. William Bell, sendo a maior corporação de pesquisa e desenvolvimento do planeta, fabricando de farmacêuticos a turbinas de avião.

Em Fringe, como era de se esperar, o ritmo era mais voltado para o estilo “o monstro da semana”, onde casos eram solucionados dentro do próprio episódio, sendo um por semana. Com isso, O Padrão era um elemento crucial para o desenvolvimento do enredo. A cada novo episódio, uma nova “maluquice” de Walter surgia para assombrar sua mente – ele havia passado 17 anos internado em uma instituição psiquiátrica. Uma das partes mais divertidas da série era o próprio Walter. Sua “loucura” proporcionava momentos engraçados, como uma vaca, a Gene, circular pelos corredores de Harvard para ser entregue em seu laboratório. Mas haviam, graças à competência e ao talento de John Noble, momentos tocantes, cativantes e, até mesmo, agoniantes em que Walter estava envolvido.

No início da série, a ideia que se tinha é que O Padrão tinha relação com as experiências que o Walter havia feito no passado. Pena que essa parte, assim como tudo na carreira do J. J. Abrams, tenha ficado sem um desfecho. Mesmo tendo sido substituído, em certa parte do enredo, pelo ZFT (Zerstörung durch Fortschritte der Technologie – Destruição pela Tecnologia Avançada), grupo terrorista que seria o responsável por todos os casos da primeira temporada, este também desaparece quando seu “líder” é derrotado ao fim desta, não tendo sido estabelecida qualquer ligação entre os dois ou uma conclusão para este detalhe.

A ciência de borda

Como o nome da série já anuncia, Fringe trabalha a temática da ciência levada ao extremo. Cultivar humanos em laboratório, mesclar geneticamente duas ou mais espécies de animais, desenvolver vírus que matam as pessoas, não pela sua ação, mas por seu tamanho, eram os elementos dos episódios da série. Em todos eles havia uma explicação plausível proporcionada por Walter, bem como a possível solução para o problema. Em todos os episódios era possível verificar se aquilo poderia ou não acontecer de verdade. Então, a sensação é que “o monstro debaixo da cama” não era tão imaginário assim.

Era interessante ver como Walter, no limite da sua sanidade, reproduzia as experiências utilizadas nos casos. Em alguns deles, Walter quase enlouquece completamente lembrando de sua relação com seu filho Peter (personagem de Joshua Jackson). Na maior parte dos casos, Walter Olivia e Peter trabalham em conjunto para solucioná-los, já que Peter tem um QI altíssimo e tendo, inclusive, com um diploma falso de química, lecionado no MIT. Essa interação entre os três era o que deixava o enredo interessante, pois aprofundava bastante os personagens.

As referências

J. J. Abrams não é, exatamente, o homem mais criativo do mundo. Por isso Fringe está repleta de referências a outras obras de ficção científica. Um dos elementos mais visíveis é a existência de seres que, invariavelmente, estão presentes nos eventos mais importantes da humanidade ao longo da história. Se você prestar bastante atenção nas cenas, verá um homem de terno preto, careca, sem sobrancelhas e usando chapéu, em algum lugar onde aconteceu ou irá acontecer o que, na série, é chamado de “evento Fringe”. Eles são chamados de Observadores e têm a capacidade de viajar pelo tempo. Esses mesmos observadores podem ser encontrados no livro O Fim da Eternidade, de Isaac Asimov.

Outra referência é revelada próximo ao fim da primeira temporada. Quando Walter conta para Olivia que ela foi uma das crianças que fez parte dos testes que ele fazia em conjunto com William Bell, ele revela que ela tinha a capacidade de viajar entre os “universos paralelos”, assim como os “viajantes” de O Homem no Castelo Alto.

Drama e ficção científica juntos

Um dos aspectos mais interessantes de Fringe é justamente o drama e a profundidade de seus personagens. A todo momento, dificuldades e limitações dos personagens se tornam mais presentes, humanizando-os ainda mais. A cada passo, as histórias pessoais vão tomando o lugar da simples busca pela solução de um caso. Walter, o qual é constantemente atormentado pelo seu passado, está sempre a um passo da loucura. Olivia não consegue se desarmar e viver uma vida mais leve e tranquila. Peter está sempre em conflito com Walter por conta do passado dos dois. Essa trama de histórias e sentimentos revela personagens cativantes e profundos, com os quais você se sensibiliza, e acaba se interessando mais por suas histórias do que pelos casos em si.

Se pararmos para pensar, Fringe é uma série sobre pessoas. Pessoas com seus dramas, medos, anseios e sentimentos. Ela nos transporta para o limite pessoal de cada personagem, explorando nossa empatia, nossa angústia e nossa alegria.

O que Fringe tem de revolucionário, afinal?

Por ser uma série de ficção científica, ela inova em trazer para o público um ambiente extremamente verossímil. Ao contrário de Arquivo X, série com a qual era constantemente comparada, não existem monstros do espaço, viagem espacial nem nada que não possa ser provado cientificamente. Todas as experiências descritas na série como objetos de pesquisa de Walter são, em sua maioria, pesquisas já realizadas em algum momento da história. Quando não, são teorias e hipóteses levantadas como plausíveis e que poderiam, na prática, se tornarem realidade.

Além disso, a série usa muito poucos recursos de computação gráfica, o que torna o ambiente ainda mais real. Como a série se passa em Boston, é possível ver os locais onde as cenas foram gravadas, as locações, os bairros e tudo mais. Além disso, Fringe tem uma pequena coleção de vilões de tirar o fôlego. David Robert Jones, interpretado por Jared Harris (Resident Evil: Apocalypse e Sherlock Holmes: O Jogo das Sombras), é um cientista que quer destruir o mundo através da tecnologia. Thomas Jerome Newton, interpretado por Sebastian Roché (Beowulf e O Homem do Castelo Alto), é um robô humanoide enviado pelo mundo paralelo para destruir o “nosso” mundo. Até o próprio William Bell, interpretado por ninguém menos do que Leonard Nimoy, acaba se transformando em vilão.

Havia, ainda, alguns easter eggs em cada episódio. Em algum momento, quando o episódio passava de uma trama para outra, apareciam imagens enigmáticas, como uma mão com seis dedos ou a metade de uma maça com dois fetos no lugar das sementes, que revelavam algo sobre ele. Ao lado da imagem, aparecia um ponto luminoso que, quando posicionado sobre o cartaz do episódio, apontava para uma letra. Então, ao final do episódio, todas as letras coletadas formavam uma palavra que dava significado ou revelava algo da trama principal. Era divertido coletar as letras e formar as palavras, pois elas acabavam explicando o porquê de certas coisas dentro do episódio.

Ainda dá pra assistir a série?

A série acabou em 2013, em sua quinta temporada. Tanto FOX como Warner não planejam reexibir a série em seus canais e a retiraram do catálogo da Netflix, mas ainda é possível adquirir os boxes de DVDs de todas as temporadas em lojas virtuais e, eventualmente, em algumas lojas físicas. Eu confesso que tive que garimpar um pouco para conseguir todas as temporadas, mas tanto o tempo quanto o dinheiro valeram a pena.

E se você ainda estiver pensando que, por se tratar de uma série de mais de 10 anos atrás, ela esteja datada, relaxe. Ela é completamente atemporal e tudo o que você vir lá poderia estar acontecendo agora, nesse exato momento.

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