A longa jornada até Bom Jardim da Serra

A estrada à nossa frente – Bom Jardim da Serra, lá vamos nós!

BR 101
BR-101

Começamos o sábado cedo. Eu acordei às 07h30 sem nenhuma obrigação com trabalho. Meu último dia de obrigações antes das férias tinha acabado às 17h30 de sexta. Minha primeira ação foi desativar TODOS os alarmes do meu celular. O horário de acordar, de bater o ponto, de almoçar, de voltar do almoço, de encerrar meu horário. Tudo desativado. Poderia dormir até quando quisesse, mas acordei às 07h30, como se ainda estivesse obrigado a isso. Seguiríamos para Bom Jardim da Serra, em Santa Catarina, destino para o qual não ia há doze anos. Estava ansioso. Essa seria a primeira viajem de “longa duração” que eu e Anna faríamos e nada poderia nos atrapalhar. Mas será?!

Caímos na estrada, extamente, às 10h. Decidimos fazer um roteiro mais turístico. Descemos a serra no sentido Joinville, com uma pequena pausa para abastecer. O dia estava limpo, o sol brilhava e nossa playlist de viagem tocava no rádio do carro. O que poderia dar errado?

Primeira parada – o almoço

Pouco antes do meio-dia chegamos a Joinville. Antes de chegar à área urbana do município há, para quem segue no sentido sul da BR-101, um restaurante/pousada muito tradicional. O Grün Wald, conhecidíssimo restaurante de comida alemã, fica localizado bem ao lado do pórtico da Estrada Bonita. É fácil chegar, mas cuidado para não perder a entrada, já que a sinalização indicando a entrada do restaurante fica escondida no meio da vegetação, bem no meio de uma curva. O estacionamento é amplo e vários ônibus de turismo param por ali.

Grün Wald
Grün Wald

Quando chegamos, o restaurante ainda não estava lotado. Decidimos pedir um prato do cardápio, mesmo tendo à nossa disposição um buffet bem farto. Há anos vinha prometendo à Anna que iríamos ali para comer o famoso marreco recheado, mas na hora ela se interessou pelo Schlachtplatte, um prato com einsbein (joelho de porco), kassler (bisteca defumada), batatas defumadas, sauerkraut (repolho fermentado), bockwurst (salsicha alemã vermelha) e kren (raiz forte). No cardápio dizia servir duas pessoas – todos os pratos, na verdade, diziam isso -, e nós acreditamos. Mesmo assim, o garçom que nos atendeu – e muito bem, aliás – nos informou que também poderíamos nos servir no buffet. E foi o que fizemos.

Tinha Spätzle, tinha schnitzel, tinha de tudo. E tudo muito bom. Para acompanhar a comida, pedimos uma jarra de suco de morangos – eu não iria beber pois estava dirigindo e a Anna decidiu que só beberíamos juntos -, também muito bom. Quando o prato finalmente chegou, meu primeiro pensamento foi “duas pessoas é meuzovo“. Eu sabia que comeria todo o prato sozinho, que só foi o suficiente para nós pois tínhamos nos servido no buffet. Como ainda tínhamos um bom caminho até Bom Jardim da Serra, não podíamos ficar muito por ali. Mesmo com os beija-flores e curruíras indo beber água doce nos bebedouros estrategicamente posicionados, tínhamos que ir. Mas não antes sem a sobremesa.

Grün Wald
Grün Wald

Como haviam chego alguns ônibus com algumas excursões, o restaurante começou a encher muito rapidamente. A maioria das excursões eram de “senhorinhas”, todas aparentemente pacíficas, o que se provou falso no buffet de sobremesas. Enquanto eu me servia de um pudim de leite, senti um chute em meu pé esquerdo. Era uma das senhorinhas pacíficas “me intimando na bicuda” porque eu estava demorando demais para me servir e ela achava que não ia sobrar pudim para ela. Ela nem olhou para mim ou pediu desculpas. Simplesmente pegou a colher que eu larguei naquele instante e se serviu avidamente, como se não houvesse amanhã.

Já na saída, precisamos usar os banheiros. Minha parte se resolveu rapidamente, mas a Anna teve que enfrentar a turba das senhorinhas pacíficas, o que levou longos minutos. Assim que ela conseguiu se desvencilhar deste entrave, entramos no carro e demos partida no motor, com o claro intuito de voltar para a estrada. Mas não, sem antes, termos que esperar algumas crianças “extremamente ativas” pararem de correr pelo estacionamento e “influencers de fim de semana” desbloquearem o caminho após tirarem suas fotos para o insta.

De volta à estrada

BR 101
BR-101

Após sairmos vivos do confronto com as senhorinhas pacíficas, pegamos a estrada novamente. Passamos por Joinville, Araquari, Barra Velha e, chegando em Penha, decidimos que precisávamos de um “incentivo” para continuar a viagem. Parei em um posto à beira da estrada e fui até a loja de conveniências. Queríamos um Monster – sim, somos seletivos quando o assunto é energético, apesar da Anna gostar do Mango Loco e eu do Ultra -, mas a loja só tinha Red Bull a um preço proibitivo ou Baly, intragável e, possívelmente, radioativo.

Ao voltar para o carro sem nosso combustível, as palavras de Anna foram: vamos em busca do santo Graal. Até onde me lembrava, a rede Graal só existia na região sudeste (São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro). Mas, para minha surpresa, existe um em Penha (!), meio pronto, meio em construção. Quando entramos, a situação da parada anterior se repetiu. Na saída, demos de cara com uma excursão (ah, não…) de torcedores do Santos rumo a Florianópolis, que depois soubemos que perdeu para o Avaí. Partimos, então, para nossa terceira tentativa.

Pouco antes de chegarmos a Balneário Camboriú (ainda não concordo com esse acento de oxítona terminada em u) encontramos um posto que tinha Monster. E nos sabores que queríamos! Nossa sorte parecia ter mudado. A Anna perdeu uma sacola plástica no posto de gasolina, mas isso não nos abalou. Um guincho tinha vindo buscar um Palio com problemas mecânicos e isso não nos abalou. Enquanto eu dava ré no carro para sair e uma mulher decidiu estacionar logo atrás do nosso carro eu até poderia ter me abalado, mas não. Eu estava de férias e nada me abalaria. Ou, era o que eu pensava…

Um para-choques e as três letras

Íamos bem, em um bom rítmo. Respeitando a sinalização, rodando na faixa da direita, como toda boa viagem de férias deveria ser. Passamos por Balneário Camboriú (olha o u com acento novamente), Itapema, Tijucas, Biguaçu (viu!? aqui não tem!), São José, vimos Floripa de longe, e continuamos por Palhoça como mandava o figurino. Pouco antes da praça de pedágio de Garopaba, avistei de longe uma viatura das “três letras”. O limite da BR-101, nesse trecho, é 110 km/h e eu, como todo bom motorista que não quer chamar atenção, dei seta para a esquerda e ultrapassei a viatura. No momento em que acelerei levemente para realizar a ultrapassagem, senti o arrasto do carro aumentar. Viajamos no nosso velho Honda Civic 2004, um bom carro de sexta mão, comprado de um maluco que não fazia sua devida manutenção e, pelo estado dos para-choques, também não sabia dirigir.

Ainda na faixa da esquerda, vejo a viatura da PRF ultrapassar o veículo à frente dela e acelerar em nossa direção pela faixa da direira. A viatura emparelha e um dos policiais me faz um sinal, o qual só entendi quando olhei o retrovisor. Incrivelmente, não só uma, mas AS DUAS laterais do para-choques traseiro se soltaram! Com o vento, as abas se abriram, aumentando o arrasto e dobrando o para-choques para fora. Sinalizei o retorno para a faixa da direita e outra policial me fez sinal, indicando o para-choques, o qual agradecemos e, por fim, encostamos no acostamento.

Descendo para avaliar a situação, vi o para-choques dobrado. Meu primeiro pensamento foi: por que não trouxe a maldita caixa de ferramentas? Quem tem carro velho e roda com ele na estrada sempre tem um “kit de sobrevivência” e eu, como bom dono de carro velho, também tenho. Mas como a Honda tem uma mecânica bem confiável e eu tenho gasto um bom dinheiro para mantê-la assim, acabei removendo o meu do porta-malas. Naquele momento, naquele exato momento, me arrependi disso. Um dos lados, onde o parafuso estava menos oxidado, consegui soltá-lo com a mão, encaixei o para-choques, e apertei o parafuso novamente com a mão. Já o outro lado não foi tão simples. Não consegui soltar o parafuso e me vi obrigado a tentar encaixar “no jeito” mesmo. E, claro, não deu certo.

Continuamos a seguir viagem e não demorou muito para o jeito dado antes não funcionasse. O lado esquerdo soltou-se novamente e lá vamos nós para o acostamento. Novamente encaixei o para-choques e, desta vez, torcendo para não soltar. Ainda não havíamos chego à praça de pedágio. Como há um tempo tenho uma tag para pedágio no carro, passamos pela cancela de cobrança automática. Ao olharmos para o lado vimos novamente a viatura das “três letras” mas, dessa vez, parada, em uma abordagem. Até questionamos os motivos da abordagem ao carro parado logo após a praça de pedágio, mas seguimos, com a fé de quem espera que nada mais dê errado.

A ponte e a estradinha – ainda faltava muito para Bom Jardim da Serra

Passados os perrengues, continuamos naquele rítmo de sempre. Noventinha, cenzinho, passando um caminhãozinho aqui, deixando um Corolla passar ali, até passarmos a ponte Anita Garibaldi, em Laguna. Quem não conhece, vá conhecer. É uma ponte com pouco mais de dois quilômetros de extensão, estaiada, que fica linda à noite, toda iluminada. Era pouco antes das 17h quando a atravessamos e, logo após terminar a travessia, iniciamos um processo de ultrapassagem. Eram dois caminhões, três carros e uma moto. Era uma ultrapassagem longa e eu estava tomando cuidado para não ultrapassar o limite de velocidade no trecho. Contudo, não há outra denominação para o motorista de um Voyage que se aproximou de forma bem perigosa da traseira do Civic, um BA-BA-CA começou a forçar uma ultrapassagem. Eram ele, uma mulher no banco do passageiro, e duas crianças no banco traseiro. Quando o percebi pelo retrovisor, pisei levemente no pedal do freio, sem que o freio fosse acionado, mas fazendo acender as luzes de freio. Olhando pelo retrovisor vi a mulher se segurar fortemente na coluna A e se preparar para a frenagem, assim como os olhos do motorista se arregalarem enquanto pisava fortemente nos freios. “É isso aí! Fica esperto, babaca!”

Terminada a ultrapassagem, agora com o Voyage mantendo distância de nós, voltei à faixa da direita. Aí sim permiti que o Voyage passasse e, mesmo estando a 110 km/h, o vi passar rapidamente, com velocidade muito acima do limite.

Nesse momento procurávamos uma loja onde poderíamos comprar, ao menos, uma chave philips e uma fita adesiva para prender as abas do para-choques. Não encontramos nada à margem da estrada e sabíamos que o vento nessa região poderia fazer com elas se soltassem novamente. Atravessamos Laguna e chegamos a Tubarão sem nenhum outro problema. Pouco antes de chegar ao túnel do Morro do Formigão, fizemos o acesso à rodovia SC-390 para seguirmos até Orleans, depois Lauro Muller e, por fim, Bom Jardim da Serra. Mas não havia sinalização indicando estas direções e, se não fosse pelo Waze, eu o teria perdido. Estávamos, enfim, rumo à serra.

A SC-390 e a primeira broxada

SC-390
SC-390

Seguíamos bem pela SC-390. O limite agora é de 80 km/h e assim continuamos. O motor do carro agradeceu esse “descanso” e agora sabíamos que o para-choques não se soltaria, mas mantinha meus olhos, de tempos em tempos, nos retrovisores para me certificar disso. Passamos por Pedras Grandes, Orleans e chegamos a Lauro Muller. Ao chegar à rotatória olhei para a placa que indicava o caminho para a Serra do Rio do Rastro e sua maravilhosa subida, toda iluminada, até Bom Jardim da Serra. Estava começando a anoitecer e, como eu havia planejado, subiríamos toda a serra à noite. O asfalto é bom, mas não há acostamento, então tínhamos que ter cuidado com o para-choques pois não teríamos onde parar para fazer reparos.

Eu lembrava que o trecho em asfalto não era iluminado, mas quando começasse o trecho em concreto – o qual já foi utilizado para uma etapa do Campeonato Mundial de Drift, há nove anos -, haveria iluminação e o passeio seria maravilhoso. Fomos subindo, com a esperança renovada de que chegaríamos ao mirante da Serra do Rio do Rastro, na entrada de Bom Jardim da Serra, e poderíamos fotografá-la em toda a sua glória. É…

Já tínhamos recebido uma atualização da semana, em que uma barreira havia caído e que o trânsito havia sido bloqueado. Pouco tempo depois, outra atualização dava conta de que a barreira havia sido removida e que estaríamos livres para seguir. Confiamos nesse último e continuamos. Quando chegamos no meio do caminho, quando o trecho em concreto inicia, veio a primeira broxada: não havia iluminação nenhuma! Nada, nada mesmo! Mais uma vez me arrependi. Havia comprado as lâmpadas para os faróis de neblina do carro mas, como havia passado por uma cirurgia há menos de duas semanas, acabei não instalando-as, nem refazendo a fiação das luzes de neblina, devorada por um de nossos cachorros.

Sinceramente? Broxei naquele momento. Eu conhecia a estrada. Sabia do perigo de subí-la à noite, sem iluminação, apenas com faróis baixos e altos. A Anna, durante todo o trecho, agarrou-se à alça na porta, tensa. Foi, para quem subia aquela serra pela primeira vez, apavorante. Não se podia dizer que o movimento era intenso, mas havia um maior fluxo na descida e, nas curvas mais perigosas, tivemos a sorte de encontrar com caminhões que desciam a serra. Bom Jardim da Serra estava, ainda, a uns vinte quilômetros e, sem a iluminação, fui obrigado a rodar ainda mais devagar, garantindo nossa segurança.

A chegada a Bom Jardim da Serra

Bom Jardim da Serra
Bom Jardim da Serra

Quando avistei o mirante, já no fim da Serra do Rio do Rastro, a noite já estava estabelecida. Broxado, não quis nem parar. Estava cansado, frustrado e queria, logo, poder tomar um banho e comer. Eu havia feito a reserva de um chalé no centro de Bom Jardim da Serra e rumamos diretamente para lá. Não estava frio, nem havia neblina. O tempo estava limpo, apenas ventava muito. Chegamos no local onde fica o chalé e, para nossa surpresa, não há funcionários e nem os proprietários ficam por lá. Havia recebido todas as informações a respeito da hospedagem. A senha para a fechadura eletrônica, a senha para o wi-fi e demais detalhes sobre o chalé.

A acomodação é aconchegante mas, confesso, me senti em uma toca de Hobbit. Logo na entrada, bati minha cabeça no batente da porta – e olha que eu tenho só 1,82m. A cama é grande e muito macia. Há cobertores aos montes, robes atoalhados, um pequeno frigobar, máquina para cápsulas de café, microondas, TV e receptor de TV por satélite. É tudo tão confortável que, facilmente, eu moraria ali. A única coisa que, não é que me incomodasse, mas que me fazia ficar atento, era o pé direito baixo. O banheiro é amplo e, apesar da ducha pequena, o banho foi gostoso. Ao lado da porta do chalé há um canteiro com vários pés de lavanda – juro que pensei em levar um para casa, mas como ainda temos um bom roteito pela frente, desisti da ideia. A localização do chalé faz jus ao nome do local: Rancho Sossego da Serra (inclusive, recomendo para quem quiser ir para Bom Jardim da Serra).

Como chegamos muito próximos das 20h, quase tudo na cidade já estava fechado ou fechando. Supermercados, farmácias, tudo. Só alguns restaurantes e lanchonetes se mantinham abertos. Com indicações da proprietária do chalé, fomos dar uma volta pela cidade. A cidade, em si, é bem pequena, começando em um ferro velho e terminando no cemitério, coisa de menos de quatro quilômetros. Demos uma volta pelo centro, vimos a praça da matriz, tiramos fotos, quase atropelamos o adolescente “malandrão” da cidade e, também, tivemos uma preferencial bloqueada pelo “xovem” com o Gol rebaixado.

Acabamos indo parar em um restaurante bem charmosinho, com pelegos de carneiro e cobertores nas cadeiras. Pedimos uma prova do chopp servido no local. É de uma cervejaria local, próxima a Bom Jardim da Serra. Eu achei muito maltado, chegando a ser doce. Já a Anna gostou. Vai entender… Pedimos, também, um entrevero de pinhão e uma porção de batatas fritas. Estavam bem gostosos, mesmo que, e eu ainda preciso entender se nós curitibanos comemos o pinhão muito cozido ou os serranos é que comem o pinhão mal cozido, o pinhão estivesse al dente. Como sobremesa, um petit gateau para cada. Ah, e foi aqui que descobrimos que a iluminação da Serra do Rio do Rastro está desligada há quatro anos! De barriga cheia, era hora de voltar.

Voltamos para o chalé para, enfim, descansarmos. Na TV deixei em De Volta Para o Futuro II, que passava no Telecine Cult, e dormimos antes do final do filme. Acabava o sábado e, para o domingo, tínhamos grandes planos, mas isso fica para outra crônica. Até mais!

Serviços e indicações

  • Restaurante e Pousada Grün Wald – Estrada Rio Bonito, 25, Joinville, SC – (47) 3464-1271 (Instagram)
  • Rancho Sossego da Serra – Rua Manoel Borges Machado, 193, Bom Jardim da Serra, SC – (49) 99152-2398 (Instagram)
  • Restaurante Latitud28 – Rua Antão de Paula Velho, 401, Bom Jardim da Serra, SC – (49) 99147-0717 (Instagram)

Deixe comentário

Seu endereço de e-mail não será publicado. Os campos necessários são marcados com *.

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

%d blogueiros gostam disto: